domingo, 10 de novembro de 2019

Sudário - Lance dos Fantasmas (2019)...



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Andar perdido tem dessas: topar com um conhecido, com um desconhecido, com a lembrança mais torpe, topar inclusive com ela, a morte aqui e agora, o ruído e a neblina da vida (que é uma roubada, segundo os bardos). O som de um violão sendo largado no chão, o contato da madeira com o piso de taco criando aí uma célula microtonal que fala tanto quanto a letra (que dizia “Eu tô me esforçando tentando provar qualquer coisa”), anuncia uma pegada do acaso, que surge de soslaio como um fantasma ou como a própria possibilidade de virar fantasma. Se um lembrete de que Bianca quer alugar um apartamento no centro, de que um baby de Augusto será fofinho, de que Tainah me viu e deu um olá, se Virna aceitar ou não o convite de sair contigo, se Lilly Anne receber ou não seu recado e mais o rolo inteiro de fotos de pessoas anônimas (tão anônimas quanto as nomeadas) não forem obras do acaso maior chamando o passado para o futuro e esquecendo os presentes do tempo, não há fantasmas que façam ruído sequer ao redor. É preciso lembrar de certas coisas que inevitavelmente vamos esquecer. Respirar debaixo do sol mais forte da América ou abrigar-se da chuva quando já não adianta evitar se molhar. Observar um retrato de uma família que não é a sua. Mandar um recado pra uma amiga antiga. Visitar uma casa abandonada e tocar uma campainha errada. Anotar assim no papel que a vida é uma roubada. Remar num instantâneo, um rolo esquecido por seus amigos. Entediar-se num domingo que anuncia ano nenhum. Jogar uma pedra no rio maior, roubar do tempo uma fagulha. Tentar provar qualquer coisa. Não fechem os olhos: os fantasmas estão ao lado. Com essa aparição fantasmática, Adriano Sudário manda um recado para quem passou e não passou, para quem é visível ou invisível, pros Asclepíades do além-Baldo, e para as ruas vazias do mundo, um recado que não diz nada além de forjar seu próprio amuleto, seu retrato roto que há de permanecer...

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