sábado, 28 de novembro de 2020

Museu de Cinzas - Monocromático (2020)...



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 A imagem em chamas do velho casarão do século XIX ainda arde na minha memória. O fogo havia tomado tudo. Em poucos minutos, parte da memória do país e da humanidade se apagava de forma implacável. As labaredas de fogo dançavam revolutas em redemoinhos debochados e flamejantes ante a nossa súplica incrédula. Alguns choravam e lamentavam; outros davam de ombros sem saber muito bem por quê. Uma tragédia sem precedentes. O Museu Nacional, um lugar comum para mim de encontros e desencontros, ruía esquecido, abandonado, monocromático. Um museu de cinzas. O cheiro defumado da história ainda pairava no poluído ar da Quinta da Boa Vista quando escrevia as primeiras linhas de Monocromático, uma canção sobre a incompletude fluida dos relacionamentos modernos. Os versos “Me permito a te esquecer/se você não vai embora” surgiram assim, da mistura caótica e desordenada enclausurada no tecido urbano diário de nossas vidas. Gosto de museus e de suas histórias mofadas pelo tempo. Talvez, por isso, eu teime sempre em escrever sobre identidade. Dentro dos limites do possível, porque precisamos dos museus para nos decifrarmos. Quando um museu se apaga, leva com ele uma parte que não teremos mais para nos reconhecer. Um vazio, um nó difícil de se desatar. Para que o novo comece é necessário que se finde algo. O que estranhamente também se conecta ao momento atual. Precisamos nos afinar, nesse recorte outonal de nossas vidas, no mesmo diapasão das cinzas que nos restaram. Espero que se reconheçam nos retalhos ruidosos e distorcidos da Museu de Cinzas...

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