sábado, 16 de janeiro de 2021

Férias da Desgraça - Episódio #07: Floripa (SC)...


 Mais de dois anos depois de partir pro nordeste pra acompanhar a banda Desgraça finalmente consegui concluir o último episódio da série. Por se tratar de Floripa, onde estudei, tenho amigos, tenho banda, e o que aconteceu lá no final de semana do show da Desgraça foi um episódio muito pessoal ao mesmo tempo se tornava muito político.

Eu estava produzindo o show de Floripa também, e vim de SP dps do trabalho na sexta-feira pra ensaiar pelo menos UMA vez com a COISA HORROROSA (minha banda), que nunca tinha tocado com aquela formação. O show foi no sábado e foi ótimo, deu tudo certo. Ainda fomos pra casa do Cudo jogar FIFA e beber até as 6 da manhã. Foi como se fosse o último dia de inocência.

O que aconteceu no domingo no centro de Floripa foi lindo ao mesmo tempo que foi trágico. Uma região que dois anos atrás poucas pessoas se atreviam a andar no domingo, em qualquer horário do dia, estava tomada de pessoas buscando arte e cultura, indo nos shows que aconteciam de graça naquela tarde como o show do Vitor Brauer na calçada, ou do Francisco El Hombre no estacionamento da escola Antonieta de Barros. Durante o dia todos circulavam entre os bares e atrações culturais e o movimento entrou noite adentro quando começou o show do Carolino, no Taliesyn, mesmo que bar que havíamos tocado na noite passada. Eu não estava mais lá nessa hora, sai logo após o show do Vitor rumo ao aeroporto, mas o relato é que a polícia invadiu o local mandando parar o som, bem antes do horário estipulado pelo alvará. Até aí tudo bem, o Taliesyn já fechou tantas outras vezes, era só mais uma batida policial acabando com a noite. À medida que a galera foi saindo do bar, ainda com as cervejas que tinham comprado, foram ficando ali pela frente, conversando, cantando, afinal tinha sido um dia de festa para maioria ali e não eram nem onze horas. Formou uma roda de samba que começou a cantar “Apesar de Você” na cara dos policiais que tinham acabado de expulsar todo mundo do bar. Tamanha afronta foi demais para  as forças de segurança do estado, pois diante de forte emoção imposta por uma velha canção, um deles gritou “Aqui é Bolsonaro” e sentou o dedo na bala de borracha pra cima de dois músicos que passavam o final de semana em Floripa além de cassetadas em quem estivesse por perto.

O movimento de rua foi crescendo naquela região durante próximos meses. As contagens vão de 2000 a 5000 pessoas por noite. Em julho quando produzi um outro show lá vi que o movimento tinha crescido muito em poucos meses e a região ganhava um baile funk que às vezes ia de quinta a domingo. Enquanto as pessoas que frequentavam a região do centro histórico eram majoritariamente universitárias e brancas, tinha tido só aquele episódio de violência policial em janeiro. Não preciso nem falar que depois que começou a ter baile funk começou a ter polícia todo dia. Os bailes de rua em Floripa eram e ainda são reprimidos frequentemente, não importa onde aconteçam, na UFSC, em São José, no Mocotó. Quem curtia funk e curtia baile tinha achado uma opção de lazer no baile do Madalena, que como muitos outros infelizmente não durou muito.

A meia noite em uma noite de agosto cães, cavalaria, balas de borracha, gás e cassetetes foram utilizados para limpar a área no primeiro dia do toque de recolher, que foi imposto principalmente para acabar com o baile. Dito e feito. Aquelas imagens da polícia barbarizando meus amigos e amigas nas ruas que eu mais fui feliz na vida me cortaram o coração. E foi dessa dor que veio a demora de fazer esse episódio. Eu sabia que ia ter que falar dessa situação um pouco e pelo menos explicar o que aconteceu comigo, no entanto esse lance de viagem, turnê e shows são aquelas boas memórias que mantém a gente sonhando durante esse período de pandemia. Eu tive um tipo de resistência em manchar essas boas lembranças de som, amizade, noite, arte, com a história do Brasil que tava acontecendo ali diante dos meus olhos, PM se sentindo autorizado a arrepiar qualquer um por qualquer motivo gritando o nome do Bolsonaro ao mesmo tempo que tentava contar o finalzinho de uma história sobre músicas e bandas independentes etc.

Enfim tá entregue, esse episódio não tem muito de Desgraça, é mais sobre a minha banda mesmo e sobre a minha cidade. Espero que gostem. Até a próxima!

Stefano Maccarini


Tags:  , , , ,          

Nenhum comentário:

Postar um comentário