sexta-feira, 16 de junho de 2023

G. Paim - Sem Calor Nem Cor (2023)...




Por quase todos os ângulos, há uma fratura que não cessa de se refazer. Sonhos são sem história. Contratos são assinados por mãos trocadas. A cidade fantasma, em escombros, é atravessada por uma multidão de mesmos. A natureza, anunciada pelo vento, mostra-se como ela é: indiferente. Essa fratura que se reinstaura a cada encontro fracassado com o outro, faz quem olha preferir recuar diante do mundo. Porém, nesse recuo, a recusa de estar com os outros faz da solidão um ponto de vista. Se nada muda um passo a mais ou a menos, um passo atrás permite ver o que o cerca. Nesse mundo em que o trabalho não constrói nada e em que nossa vida é o trabalho, nesse mundo Sem Calor Nem Cor, G. Paim nos faz acompanhar o olhar sobre um tempo que se estende sem mudar, a despeito dos dias. Contudo, o cenário melancólico, com ares da poesia de fins do século XIX, não é feito só de palavras. A melancolia, aqui, é cantada, é música. Assim, o tempo que não passa é conflituosamente descrito em canção, arte que produz temporalidade rítmica e que tem duração cronológica – isso sem falar da temporalidade dos gêneros musicais mobilizados no álbum, do pós-punk ao noise e o eletrônico, bem como dos instrumentos elétricos e digitais, dando origem a outra camada temporal, histórica. O som, com isso, acaba por traduzir palavras numa tensão: ritmo, melodia e história produzem recortes no tempo que os versos afirmam estender-se sempre igual. O que se produz nessa tensão é o que nos fará cantar sozinhos, juntos, que não conseguimos entender...

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